Sonhei que era ela e, consciente do desvelo, desejei escutar Bach.
Soou a primeira nota da suite n° 1, um impiedoso Sol que, por sua ressonância com seu corpo, me fez despertar.
Não era sua parcialidade pela primeira suite, ainda que a última me parecesse a mais bela, que eu buscava compreender. A intenção não era nem mesmo entender sua preferência pelos alemães. Eu não queria saber, mas sim sentir o mesmo que ela.
Bach foi o que primeiro me ocorreu. Afinal, não é possível arrancar uma pessoa daquilo que lhe impressiona, i.e. a música erudita, esteja ela a sonhar-se outra ou não. Mas a verdade é que tinha disponível uma miríade de possíveis desencadeadores. Poderia, por exemplo, assistir Coixet ou ler o CFA, nadar à noite ou dormir ouvindo Alpha. Poderia reconhecê-la diferente dos demais ou libertá-la de sua censura por um momento ao volante.
Poderia me olhar.
Em sonho, esforçava-me por abandonar aquilo que me caracteriza. Objetificar o que, por definição, é subjetivo estava muito bem pra mim, mas o mesmo não se aplicava a ela. Não, era preciso provar e, em seguida, conter o hábito de relatar, categorizar, comparar e solucionar. Assim conseguiria perceber a singeleza, dearest, loveliest, most ardently, exquisite delirium, warning fragrance. Conseguiria, por fim, dar-me conta de que a humanidade não se resume ao que eu havia decidido ser sua única expressão. O que eu desejava era vê-la refletida no vidro, e não como este espelhava o meu reflexo em seus olhos.
Bach funcionava, pra mim, como um meio de apreensão de tudo o que, nela, encontrava caráter único. E assim, como quem substitui “meu objetivo era vê-la” por “o que eu desejava era vê-la” e “Bach funcionava, desta forma” para “Bach funcionava, pra mim”, eu percebia novas apreciações durante aquela primeira nota (os sonhos não conhecem a linearidade).
Vi quais livros leremos, em voz alta ou separadamente, e os trechos que escolheremos para interrupções e comentários. Antecipei tudo o que nos aproximará, cada música partilhada, cada toque dos lábios, a deferência de cada instante. Distingui mesas de cafés pelas tardes, capuccino freddo e espresso doppio, por favor, e depois toda sorte de conversa que teremos. Adivinhei os olhos dela, sempre interessados em mim, cada vez que eu cozinhar. Tendo sentido Bach, eu notei como não mais pesará sobre ela o ermo, e me vi como um grato retiro.
Uma vez acordada, sentei-me a registrar o visto, pra que ela não tivesse nunca de sonhar que era eu e esquadrinhar minhas impressões ao mirá-la. Voltei a dormir, na tentativa pueril de prosseguir a deleitosa visão. Mas, alas... já ao acordar novamente se me havia esfumado da lembrança o porvir.
Soou a primeira nota da suite n° 1, um impiedoso Sol que, por sua ressonância com seu corpo, me fez despertar.
Não era sua parcialidade pela primeira suite, ainda que a última me parecesse a mais bela, que eu buscava compreender. A intenção não era nem mesmo entender sua preferência pelos alemães. Eu não queria saber, mas sim sentir o mesmo que ela.
Bach foi o que primeiro me ocorreu. Afinal, não é possível arrancar uma pessoa daquilo que lhe impressiona, i.e. a música erudita, esteja ela a sonhar-se outra ou não. Mas a verdade é que tinha disponível uma miríade de possíveis desencadeadores. Poderia, por exemplo, assistir Coixet ou ler o CFA, nadar à noite ou dormir ouvindo Alpha. Poderia reconhecê-la diferente dos demais ou libertá-la de sua censura por um momento ao volante.
Poderia me olhar.
Em sonho, esforçava-me por abandonar aquilo que me caracteriza. Objetificar o que, por definição, é subjetivo estava muito bem pra mim, mas o mesmo não se aplicava a ela. Não, era preciso provar e, em seguida, conter o hábito de relatar, categorizar, comparar e solucionar. Assim conseguiria perceber a singeleza, dearest, loveliest, most ardently, exquisite delirium, warning fragrance. Conseguiria, por fim, dar-me conta de que a humanidade não se resume ao que eu havia decidido ser sua única expressão. O que eu desejava era vê-la refletida no vidro, e não como este espelhava o meu reflexo em seus olhos.
Bach funcionava, pra mim, como um meio de apreensão de tudo o que, nela, encontrava caráter único. E assim, como quem substitui “meu objetivo era vê-la” por “o que eu desejava era vê-la” e “Bach funcionava, desta forma” para “Bach funcionava, pra mim”, eu percebia novas apreciações durante aquela primeira nota (os sonhos não conhecem a linearidade).
Vi quais livros leremos, em voz alta ou separadamente, e os trechos que escolheremos para interrupções e comentários. Antecipei tudo o que nos aproximará, cada música partilhada, cada toque dos lábios, a deferência de cada instante. Distingui mesas de cafés pelas tardes, capuccino freddo e espresso doppio, por favor, e depois toda sorte de conversa que teremos. Adivinhei os olhos dela, sempre interessados em mim, cada vez que eu cozinhar. Tendo sentido Bach, eu notei como não mais pesará sobre ela o ermo, e me vi como um grato retiro.
Uma vez acordada, sentei-me a registrar o visto, pra que ela não tivesse nunca de sonhar que era eu e esquadrinhar minhas impressões ao mirá-la. Voltei a dormir, na tentativa pueril de prosseguir a deleitosa visão. Mas, alas... já ao acordar novamente se me havia esfumado da lembrança o porvir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário