quarta-feira, 8 de abril de 2009

"lei paventosa umilmente pascea"

Certa vez, escrevi um texto. Explico porque não posso chamá-lo de conto: escrevi como quem relata um sonho a uma amigo, e por MSN. Quero dizer que é demasiado informal e que não imprimi nada do estilo que eu gosto de acreditar que possua. Chamemo-lo, então, de exercício ou, ainda, de estudo. O caso refere-se a um estudo sobre a verossimilhança de "Jane Eyre" nos dias de hoje, com o propósito de verificar a possibilidade de uma modernização do livro, quem sabe à maneira dos episódios de "ShakespeaRe-told". Em determinado ponto do estudo, dois personagens conversam sobre livros. Enumeram, alternando-se, referências ao canibalismo na Literatura. Quem colocou isso na minha cabeça? Foi Dante, quem mais?, com seus "Vide cor tuum" e o resto do terceiro livro do "La Vita Nuova". Uma das referências citatas foi esta:
Ovídio conta, no sexto livro do "Metamorfoses", a estória de Progne, Tereu e Filomela. As duas irmãs eram próximas e, anos depois de seu casamento com Tereu, Progne pediu deste que fosse convencer o pai delas, o rei Padion, a deixar que Filomela voltasse com ele, a fim de ver a irmã. Tereu imediatamente desejou a cunhada e, quanto mais a desejava, mais eloquente era em argumentos com o rei. A viagem de volta foi descrita de maneira espantosa, porque vívida. Ao ser ameaçado com a exposição de seus crimes, Tereu então corta a língua da vítima e, ao chegarem, a deixa presa e vigiada, dizendo à esposa, com lágrimas nos olhos, que morreu. Depois de um ano, a inocente consegue fazer chegar uma nota à irmã, contando-lhe tudo. Progne a salva em meio a um ataque de fúria digno das Ménades (protagonistas de outro evento enumerado por meus personagens). Em seguida, concebe a pior das vinganças: mata o próprio filho, que Filomela dilacera, e prepara iguarias usando-o como ingrediente. Serve o jantar a Tereu, que pergunta pelo menino. Responde Progne que aí o tem e, como ele não entende, entra Filomela e atira-lhe a cabeça de Itis ao rosto. Para salvá-las de Tereu, os deuses transformam Progne em andorinha e Filomela em rouxinol.
Com efeito, Progne é o nome de um gênero da família das andorinhas (Hirundinidae). How cool is that? E, anyway, estava eu calmamente lendo o canto IX do Purgatório quando me deparei com uma referência: Dante indica que já é manhã, comentando que o soluço triste da andorinha é Progne, talvez relembrando a antiga dor.

Parti de Dante e voltei a ele.

3 comentários:

StesaSulSOFA' disse...

Isso é pra gente aprender a pensar duas vezes antes de reclamar da mãe que tem. --

Eu ia mesmo fazer um comentário culto e profundo, mas esse de cima não saía da minha cabeça. Vou pro Zorra Total. Mas então, medo terror e pânico dessa história. A sério. E faltou falar mais do tal estudo, hein.

thaïs disse...

Quer que eu comente? Eu comento. Mas por alto, já que é um assunto sensível (como certa fic angsty da qual ouvi falar)...

StesaSulSOFA' disse...

Claro que não precisa comentar só porque eu fiquei curiosa, jovem. Relaxa na bolacha. =)